sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Belicistas

Começou a correr. Não sabia para onde nem porque, simplesmente começou a correr. Assim, do nada. Nem lembrava para onde estava indo antes. Não sabia o que viria depois. Mas não estava pensando nisso, aliás, não estava pensando em nada.

Reparou que os seus sapatos estavam fazendo um barulho estrondoso, toc toc toc toc, mas o caminhão de lixo estava absolutamente silencioso. Assim como todos à sua volta. O mundo havia ficado mudo, se tornado preto e branco. Era apenas ela, correndo, com sua saia de trabalho até o joelho e meias finas. Os cabelos não estavam mais minuciosamente presos, o movimento constante havia feito com que eles se soltassem. Se libertassem, talvez. Ficavam presos apenas naquele infernal período de trabalho, conseqüentemente nas falsas e curtas pausas para o almoço, quando comia qualquer coisa embalada a vácuo e industrializada. Não sabia quanto tempo fazia desde a última vez que comeu arroz de verdade. Talvez por isso fosse tão magra.

Seu corpo delgado continuava a correr, sem rumo. Chegou um ponto em que simplesmente não sabia o sentido de nada, mas não se perguntava sobre isso. Apenas aceitou e continuou correndo. Seu coração batia mais forte a cada passo, os sapatos de bico fino começaram a machucar, mas não percebeu. Estava completamente desconectada do mundo, mais do que já era antes. O mundo do lado de fora de seu corpo parou. As coisas começaram a perder suas formas a cada respiração, até se tornarem vultos abstratos.

Estava correndo cada vez mais rápido, seus sapatos caíram e então seu corpo sentiu a frieza das calçadas, embora sua mente e coração continuassem quentes e velozes, ignorando qualquer fato exterior. Aquelas calçadas que abrigaram milhões de almas, que foram observadas até saturarem sua palidez, aquelas cabecinhas melancólicas que observavam os bloquinhos de pedra mas não vendo nada, na verdade, estavam ali. Pessoas consumidas pela imensidão do nada que inundava suas mentes, embora parecessem tão repletas de um pouco do tudo. Apenas para elas. Essas pessoas estavam lá, claro que estavam. Sempre estão. É como o ar, é como algo inexorável. Mas para ela nada disso existia, nada disso fazia sentido, era o mais puro nada.

Então parou. Como um baque, uma freiada, um soco no estômago, parou. Sua mente pareceu estar pendurada por uma fina corda, sendo balançada como um pêndulo. Sentiu-se tonta. Fora de sintonia. Suas pernas fraquejaram até não poderem sustentar nada. Então caiu. A calçada existia agora. Ela era o limite. O limite está sempre abaixo, não acima como muitos otimistas dizem. Apesar de que pode-se sempre ir mais para baixo. Haveria limites então?

Para ela sim. E era ali, onde seu corpo fraco estava estirado. No chão. Estava inconsciente. Sua cabeça estava doendo, latejando, sofrendo, aquela dor lazarenta de quem não suporta mais respirar, mas abriu os olhos, com esforço. Aqueles vultos imóveis e sem cor começaram a tomar forma novamente. Movimento. Cores. Começaram a ser reais. Então todos começaram a correr. Ignorando-a. Olhou para si e viu que havia perdido suas características. Suas formas. Foi ficando cada vez mais pálida até perder qualquer sinal de cor.


E sumiu.




[julho de 2005]

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Na cozinha

- Nunca? – Os três disseram, meio que em coro – Como assim "nunca", Almeida? – o espanto era aparente em seus semblantes já gastos.

- Bem, não entendi muito bem, mas... Acho que nunca.

Eram quatro homens de trinta e poucos anos, tomando uma cerveja em um bar qualquer. A barriga já estava se tornando saliente. Mas eram felizes, então quem ligava?

- Da primeira vez que eu levei uma mulher pra cozinha... Foi surreal. Chegamos até ao quarto de empregada, passando pela máquina de lavar da área de serviço, e que serviço fizemos, hein!

- Ah Roberto, isso não é nada! Lembra da Cláudia?

- A luxúria em pessoa, claro que sim. Com uma bunda...

- Direto no fogão. Ela diz que não esqueceu até hoje. – Bernardo estalou os dedos com cara de orgulho, recostando-se na cadeira. Mas tinha motivos para estar assim, Claudinha era uma loucura de mulher mesmo.

- E você, Afonso?

- Ah, a minha mulher, a Helena, é chef, porra. A gente se conheceu no restaurante dela. Tantos molhos... – Todos riem, menos Almeida, que continua calado. Trocou seu semblante perdido por um meio sorriso avoado.

- Que cara é essa, Almeida?

- ...eu já levei uma mulher para a cozinha...

- Quem? Como? Haha

- Rosana. A gente estava quase indo morar junto, só não fomos por falta de pantufas. Ela estava sempre lá em casa, ah Rosana....

- Aquela morena?

- É. Ela era linda, mesmo. Até que um dia resolveu fazer algo especial... – O rosto de Almeida continuava com aquele ar nostálgico. O restante escutava com atenção. -...um bolo.- A atenção dos demais ali presentes fora substituída por uma certa quebra de expectativa, mas quem poderia culpá-los, tinham “SACANAGEM” estampado em suas testas. Mas continuaram interessados.

- Mas, tipo, um bolo mesmo?

- É. Separou os ingredientes milimetricamente, que nem em programa de TV, mesmo.

- Bolo de quê?

- Nem lembro. Acho que era bolo de bolo, normal, com recheio de cenoura. Fizemos juntos, abraçados, encaixadinhos. Observamos nossa criação se expandir e dourar dentro do forno...

- E aí, e aí?

- E aí pegamos o bolo e comemos na cama.

- Só?!

- Como ‘só?’? Foi a melhor noite de amor da minha vida. Doce Rosana...

- Puxa...

- Também acho. Lembro que ela disse naquele dia que na próxima semana queria fazer um empadão. Imaginei que daquela não passava, que a gente ia morar junto mesmo. Empadão é coisa séria.

- Que safada!

- Mas nunca mais apareceu. Acho que foi fazer outros bolos. E assim espero, imagina se ela anda por aí fazendo strogonoffes para qualquer um..

- Caralho, cara. A minha mulher não faz nem feijão lá em casa. Você tem sorte.

- Garçom, mais uma rodada!!

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Mentira

A verdade é uma sentença. É uma condenação, uma marca. A verdade é flexível. A verdade muda. Se apaga, se mancha, some ou cresce.Verdade é o que acreditamos, o que nos é informado, o nos é dito. Verdade nada mais é do que nada. Pode se explodir em mil estrelas ou se manter uma só por séculos. A verdade vai além do que se vê, sempre. Ela se limita, se enxuga, se compacta, mas é maior do que se pensa. A verdade é o que se custa para se chegar a nós mesmos, à verdade de cada um. Ninguém é dono dela. A verdade, talvez, nunca chegue a ser verdade. Talvez seja apenas mais uma dúvida vagante, que paira no ar com um grande ponto de interrogação (que nada mais é do que uma exclamação meio torta). E então, quando a dúvida cansa de ser dúvida, ela vira verdade. Vira fato. Imutável. Porém, é incompleta, irreal e elástica, mas ninguém vê. Isso porque poucos questionam, de fato, a verdade. Talvez se perguntem, na calada de sua solitude, o porquê. Muito quietos, mas ao mesmo tempo aflitos, por dentro de suas cascas, querendo saber. Quando alguém questiona a verdade, ela muda. Muda porquê deixou de ser verdade, porquê quis entrar em consenso. A verdade é subjetiva. A verdade está dentro da sua gaveta. A sua verdade não é a verdade do mundo e a verdade do mundo não é sua. E se, mesmo depois disso, todas as verdades do mundo não chegarem a uma conclusão, ela muda de novo: Vira sentimento.
[escrito em agosto de 2005. mudei muito de lá para cá, mas algumas frases ainda fazem completo sentido. é a lerdeza da efemeridade a favor da minha preguiça de escrever coisas recentes.]

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

olha o meu abacatear.. tacadumtchá...pápa..

não gosto de abacate. nunca me caiu bem, não sei por quê. e, bem, nunca vi realmente uma flor de abacate. então você, sentado de uma forma que daqui a 10 anos fará sua coluna estar irremediavelmente torta, lendo meu novo "blog", se pergunta:

"por que caralhos então você escolheu isto como nome?"

e eu, imponente como só um abacate sem caroço olhando para a sua outra metade ja meio empapada, digo com classe: porque sim, porra.

e este é oficialmente meu primeiro suposto post. piores virão.