- Nunca? – Os três disseram, meio que em coro – Como assim "nunca", Almeida? – o espanto era aparente em seus semblantes já gastos.
- Bem, não entendi muito bem, mas... Acho que nunca.
Eram quatro homens de trinta e poucos anos, tomando uma cerveja em um bar qualquer. A barriga já estava se tornando saliente. Mas eram felizes, então quem ligava?
- Da primeira vez que eu levei uma mulher pra cozinha... Foi surreal. Chegamos até ao quarto de empregada, passando pela máquina de lavar da área de serviço, e que serviço fizemos, hein!
- Ah Roberto, isso não é nada! Lembra da Cláudia?
- A luxúria em pessoa, claro que sim. Com uma bunda...
- Direto no fogão. Ela diz que não esqueceu até hoje. – Bernardo estalou os dedos com cara de orgulho, recostando-se na cadeira. Mas tinha motivos para estar assim, Claudinha era uma loucura de mulher mesmo.
- E você, Afonso?
- Ah, a minha mulher, a Helena, é chef, porra. A gente se conheceu no restaurante dela. Tantos molhos... – Todos riem, menos Almeida, que continua calado. Trocou seu semblante perdido por um meio sorriso avoado.
- Que cara é essa, Almeida?
- ...eu já levei uma mulher para a cozinha...
- Quem? Como? Haha
- Rosana. A gente estava quase indo morar junto, só não fomos por falta de pantufas. Ela estava sempre lá em casa, ah Rosana....
- Aquela morena?
- É. Ela era linda, mesmo. Até que um dia resolveu fazer algo especial... – O rosto de Almeida continuava com aquele ar nostálgico. O restante escutava com atenção. -...um bolo.- A atenção dos demais ali presentes fora substituída por uma certa quebra de expectativa, mas quem poderia culpá-los, tinham “SACANAGEM” estampado em suas testas. Mas continuaram interessados.
- Mas, tipo, um bolo mesmo?
- É. Separou os ingredientes milimetricamente, que nem em programa de TV, mesmo.
- Bolo de quê?
- Nem lembro. Acho que era bolo de bolo, normal, com recheio de cenoura. Fizemos juntos, abraçados, encaixadinhos. Observamos nossa criação se expandir e dourar dentro do forno...
- E aí, e aí?
- E aí pegamos o bolo e comemos na cama.
- Só?!
- Como ‘só?’? Foi a melhor noite de amor da minha vida. Doce Rosana...
- Puxa...
- Também acho. Lembro que ela disse naquele dia que na próxima semana queria fazer um empadão. Imaginei que daquela não passava, que a gente ia morar junto mesmo. Empadão é coisa séria.
- Que safada!
- Mas nunca mais apareceu. Acho que foi fazer outros bolos. E assim espero, imagina se ela anda por aí fazendo strogonoffes para qualquer um..
- Caralho, cara. A minha mulher não faz nem feijão lá em casa. Você tem sorte.
- Garçom, mais uma rodada!!